domingo, 1 de fevereiro de 2004

O Ritual do Namoro

O que de melhor tem o namoro?
A altura em que não se está a namorar.
Namorar é a parte má do namoro. Tornamo-nos acompanhantes assíduos das grandes consumidoras da novela das oito – as mulheres. Sentimo-nos de consciência pesada pelo simples facto de gostarmos de futebol. Trocamos os jantares divinais das nossas mães pela comida seca e empedernida das nossas namoradas. Vestimos um casaco que antes julgávamos ser uma fronha para almofadas de palha. Os nossos dotes piadéticos são postos em causa pelo seu teor surrealista. Ganhamos um novo espaço de armazenamento no cérebro para arrecadar as maiores futilidades do mundo. E o pior; Temos que urinar sentados para nos salvaguardarmos do grande trauma masculino da era contemporânea: A tampa da sanita.
Não é querer estar com alguém que nos puxa para o namoro, é antes não querer estar sem ninguém que testemunhe e seja cúmplice dos nossos pontos de vista – por mais absurdos que sejam. A regra básica do namoro é a cumplicidade. Namora-se, é-se cúmplice. Partilha-se a cama, partilha-se a filosofia. Compra-se roupas em conjunto, compra-se o direito a não reclamar os gostos. Oferece-se uma flor, reivindica-se uma noite na casa dos eventuais futuros sogros. Quando se namora as conversas vêm sempre com o anexo “Estava eu a derriçar um novelo com a minha namorada quando de repente…” E por mais absorvente que o repente possa ser, o mais importante já foi dito.
De resto a coisa resume-se a uma daquelas secas benignas. O namoro tira-nos a liberdade de exercer a libertinagem por um “toma lá aquela palha”. Cai-nos a monogamia em cima sem darmos por ela.
Falando mais a sério (isto porque alguém pode não estar a achar graça nenhuma a este texto) namorar é o factor que determina o ser e o não ser.
Ter uma namorada confere-nos a segurança de não sermos mais nem menos do que um outro qualquer. Somos insuspeitos, não temos uma doença daquelas comparadas à lepra que nos torna anti-sociais. Podemos sair à rua com a barba por desfazer e com a braguilha aberta. Se formos detidos por vadiagem temos sempre a cara-metade como álibi perfeito. Safamo-nos da conotação “Eunuco” que é a sigla para “Eu Nunca Comi ninguém”. Enfim, mesmo correndo o risco de nos sentirmos mais sós do que nunca namorando, não temos nenhuma razão viável para a solidão.
Quando se ama a namorada que se tem o caso ganha proporções trágicas. O namoro sabe sempre a pouco. Quer-se mais. É quase uma perversão não ter mais nada que fazer ao nosso amor senão namorar. É como comer as batatas fritas e deixar o bife. Ir a Roma e não ver o Papa. Ter um carro e não ter carta de condução.
Por fim toma-se a decisão drástica: O casamento. Casa-se com o bife, é-se abençoado pela Papa, e vai-se a Roma no descapotável. Mais tarde o divórcio é determinado pelas batatas fritas e pela inabilidade ao volante. O refugo de um amor que ficou por sentir.
Mas não é mal-estar semi-dependente dos achares e dos pareceres e dos malmequeres da namorada. É até reconfortante. A mulher tem a qualidade superior de tratar bem aquilo que lhe pertence (Namoro é sinónimo de pertença). Não deixa o exercício do amor por mãos alheias. Exerce-o convictamente, mesmo quando não ama. Ficamos ao abrigo de alguém superior a nós no que respeita à ordenação dos sentimentos.
E tal facto, e por si só, põe a novela das oito e a tampa da sanita num plano secundário.

Serpii

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