quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

O Ritual da Sedução

Se existe uma qualidade realmente boa, essa é a de seduzir sem que para isso se tenha que recorrer aos pechisbeques da imaginação.
Quem sabe seduzir não é sedutor. Sedutor é aquele que seduz sem estar a dar por isso.
Forçar um sorriso no intuito de seduzir é fazer bluff. Só os que querem desesperadamente ser seduzidos atendem à chamada. Quem é sedutor seduz ao mesmo tempo que depena uma galinha. Sai-lhe naturalmente. Não precisa estar com adereços formais, como um raminho fresco de rosas silvestres ou uma caixa de chocolates da Ferrero Rocher.
A introdução básica para a sedução é rápida, incontornável e fatal: Uma cara bem medida e um corpo bem moldado. Não é preciso mais nada. É a formula mais primitiva. É-se giro, logo seduz-se. Mas se por detrás dessa beleza explícita não houver um cérebro ambicioso a sedução morre à nascença, é efémera… fica-se pela atracção física e fica-se por pouco tempo.
Quando se é tenro (ou ingénuo) a designação oficial para a sedução é o engate. Engata-se alguém e o ego extravasa, sente-se o efeito “Don Juan” nas cartilagens. Na verdade um engate bem feito não é uma conquista nem serve como portfólio intelectual. Quando se é posto o prefixo “des” ao engate este desengata-se, o ego desega-se e a sedução evapora-se. Quando se é novo é-se facilmente engatável mas dificilmente seduzível. Geralmente descobre-se isso quando já não se é tão novo como isso e tem-se uma amarga noção do tempo que se perdeu.
A sedução a doer começa quando o jogo da sedução (ou o engate) acaba. É quando se pensa “Que se lixem as patilhas em bico até ao meio das orelhas e os piercings no umbigo, vou comer uma canjinha” que se começa a viver/seduzir a sério. A canja é um factor determinante para o nosso amadurecimento hormonal. Come-se uma canjinha e depena-se uma galinha e a capacidade de seduzir vem por arrasto. Que é como quem diz – Tem-se juízo, logo é-se levado em conta.
Quando se come uma canjinha e se engata ao mesmo tempo tem-se uma congestão; E nesse caso o melhor será voltar a pôr o piercing.
Os “naturalmente sedutores” existem cada vez menos porque a sedução mudou-se para o departamento das necessidades mais prementes. Daí advêm erros crassos na comunicação sentimental. Os naturalmente sedutores começam a exercer a sedução como se não a tivessem, os que engatam têm a ilusão de que seduzem naturalmente, os bem acabados começam a usar óculos de massa grossa e a ler Proust, os mais “cerebrais” começam a usar saias decotadas e a canja fica retardada. É uma Salada Russa regada com penas de galinha. Ganha-se em calorias mas perde-se no paladar.
Hoje para se captar os apelos sedutores tem que se “ler nas entrelinhas”. É um código inventado no intuito de manter a sedução pura e saudável: A era da sedução codificada.
A Idalina cruza as pernas e assobia baixinho “As Pombinhas da Catrina” para o Rodolfo com a finalidade de o seduzir. Este lê nas entrelinhas que ela quer uns ovos mexidos e oferece-lhe uma batedeira eléctrica. Mais tarde ambos são presos por atentado ao pudor porque o polícia leu nas entrelinhas que o Rodolfo não trazia cuecas e a sedução é consumada nas entregrades.
Foi limpinho. Cada vez mais me surpreendo com a eficácia da sedução codificada.
Na verdade este texto serve apenas para seduzir uma cafeteira oriental pertencente à Dinastia Ming. Está aí tudo, nas entrelinhas.

Serpii

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