quinta-feira, 6 de maio de 2004

O meu amor presente era uma coisa tão distante

Regresso a casa em silêncio. No mesmo silencio em que lhe pedi que ficasse. Ele, no fundo, sabia que iria partir e eu também.
Temos a mesma determinação, o mesmo hábito de controlar relações, a mesma ambição, a mesma sensibilidade, a mesma argúcia e a mesma inteligência. Mas ambos sabemos que temos outra idade, outro passado e outra forma de viver.
A facilidade com que me entreguei assustou-o. Ele nunca me sentiu segura, sensata e equilibrada e tudo lhe parecia pouco reflectido e inconsistente.
Havia qualquer coisa na minha sinceridade que o fazia desconfiar de mim. Como se aquilo que se sente não possa, na maioria das vezes, ser confuso e ambivalente, ser aquilo que não é e está a ser. Ele nunca entendeu que a paixão não tem regras, não é científica, não tem poder de escolha e não se explica.
Ele não reparou que eu voltei a viver de novo os amores da adolescência (que saudades!). Aqueles que até fazem doer e que se propagam como um vírus e tomam conta de nós e não unicamente pela sensação de conforto, de conquista, no sentido de apropriação para nós ( e só para nós) da outra pessoa.
Ele não entendeu que não era nenhum prémio, nenhuma recompensa que me atribuiu em contrapartida da sua dedicação, que não era uma comenda, mas era sangue e fogo. E que me fazia sentir aquele desconforto de nunca estar saciada por mais numerosos que sejam os óasis espalhados pelo seu deserto.
A minha falta de calma, o meu desassossego, a minha ansiedade e especialmente o meu querer tudo de uma vez e exigir-lhe coisas que não se pedem, fez com que ele se fosse embora chateado comigo, sem perceber, que eu entendi que era a única coisa decente que ele poderia fazer.
E eu vi-o partir e o que sinto é uma espécie de dignidade intrínseca em sofrer por amor. Alias a única forma gratificante de sofrer...

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