Prazer

Não há prazer maior .Do que o prazer de se ser assim. Sem mais nem quê do assim que se é.
Como o café da manhã e as torradas que legitimam o amor que se tem e se exerce pelo facto de se ser assim.
É-se e tem-se prazer porque é assim que tem de ser. Não há volta a dar-lhe.
Ter prazer é ser alguém.
Exercer a tarefa de ser alguém é um prazer para além de todas as marcas de máquinas, de todos os símbolos sexuais, de todas as piadas boas acerca da boca da Manuela Moura Guedes, de todas as paixões efémeras ao longo de toda a vida…
Ser alguém é termos tudo à partida mesmo quando se começa do nada.
É um prazer que atravessa com sarcasmo todas as birras melancólicas e crises existenciais – que reclamaram um espaço na nossa alma e por lá proliferam à desgarrada.
É um gosto caprichoso que chafurda alegremente na merda de um outro alguém que nunca fomos.

Não sentir prazer genuíno é não ser ninguém.
É não poder intervalar entre dois prazeres dos bons.
É não sentir dor por não se estar à altura.
É ser fiel aos programas televisivos acerca do prazer dos outros.
É não querer chegar-se à felicidade porque o caminho é acidentado.
É cagar de esguelha para não ter que se usar a piaçá no fim.
Tudo isto é uma forma simulada de prazer que, não vindo de ninguém, não se exerce; Não nasce nem morre, fica-se por ali como os guardanapos de papel.

O prazer surge consoante o grau de ambição que se tem.
Há que investir na alma para o prazer ser lucrativo.
Fica-se irremediavelmente agarrado quando se convida o prazer para jantar.
Este manda sempre a monotonia formal como seu representante, dão-se três ou quatro gargalhadas piedosas na altura da sobremesa e remata-se com a frase forjada “Foi um prazer” quando se veste o casaco.
O prazer espera-nos em casa, com um sorriso de sarcasmo em forma de leite quente com chocolate.
O prazer dá-nos um leque de escolha tão peculiar na diversidade como salutar na qualidade:
“Dar uma rapidinha” é um prazer certeiro, sólido e eficaz.
“Olhar o vazio” é um prazer desafiador, que estica o nosso lado visionário e apela a tudo o que temos de grande na alma.
“Mijar ao relento” é um prazer que nos projecta até à nossa infância e nos recicla os pudores.
“Escrever acerca do prazer” é um prazer a que me proponho…
E mesmo nos maiores prazeres,
É um prazer quando se chega ao fim.

Serpii