sábado, 15 de julho de 2006

Médio Oriente

O plano de Israel estava previsto há muito" afirmou o analista militar do primeiro diário de Israel ao jornal francês "Libération". Afinal os soldados raptados são apenas o pretexto necessário, porque o verdadeiro objectivo é mesmo a guerra. É esse plano previsto que o mundo está agora a ter conhecimento: cerco do Líbano, bombardeamento repetido de estradas, pontes, do aeroporto internacional de Beirute. Todo o país transformado num alvo militar, para "dividir" e "pressionar" o governo libanês segundo o mesmo perito. Israel tentou matar o líder do Hezbollah com um ataque aéreo. O Hezbollah ripostou atacando um navio israelita com um avião não tripulado e carregado de bombas. Israel bombardeou ainda a estrada Beirute Damasco e muitas outras áreas. O Hezbollah respondeu contra as cidades do norte de Israel. Israel continuou a atacar a faixa de Gaza, tendo bombardeado o Ministério da Economia palestiniano. Israel intensifica a guerra agora em duas frentes, no Líbano cerca e faz bombardeamento aéreo, mas por agora não invade com tropas terrestres. A guerra, o terror de Estado, é quase só a única política de Israel. Internacionalmente o seu grande apoio é Bush e os Estados Unidos. As populações carregam os custos da guerra, com mortos, feridos e desalojados. Em Beirute imigrantes sírios fogem, por todo o lado as crianças são as mais atingidas. Os povos árabes sentem novo ultraje.O diário norte-americano Washington Post publicou no dia 11 um artigo de Ismail Haniyeh, o primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana. Nele, o dirigente do Hamas defende que a actual invasão de Gaza, feita com o pretexto de libertar um soldado israelita capturado, tem na verdade o objectivo de destruir o governo democraticamente eleito nas eleições mais democráticas jamais realizadas no mundo árabe. Leia abaixo a íntegra do artigo traduzido.
Agressão sob falso pretexto
por Ismail Haniyeh
Washington Post,11 de Julho de 2006
GAZA, Palestina - No dia em que os americanos comemoravam o aniversário da sua independência da ocupação colonial, nós palestinianos éramos mais uma vez perseguidos pelos nossos ocupantes, que destroem as nossas estradas e edifícios, as nossas centrais eléctricas e de distribuição de água, e que atacam os nossos meios de administração civil. As nossas casas e edifícios de governo são bombardeadas, os nossos parlamentares capturados e ameaçados de julgamento.
A actual invasão de Gaza é só o último esforço para destruir os resultados de eleições justas e livres realizadas no início deste ano. É a consequência explosiva de uma campanha de cinco meses de guerra económica e diplomática dirigida pelos Estados Unidos e por Israel. A intenção assumida desta estratégia era forçar o palestiniano médio a "reconsiderar" o seu voto, quando enfrentado com condições de vida cada vez piores; o seu fracasso era previsível, e a nova agressão militar aberta e a punição colectiva são as suas lógicas consequências. O soldado israelita "raptado" Gilad Shilat é apenas um pretexto para uma acção prevista há meses.
Para além de derrubar o nosso governo eleito democraticamente, Israel quer incentivar divisões entre os palestinianos, afirmando que há uma grande disputa de direcção entre nós. Sou forçado a rejeitar esta ideia definitivamente. A liderança palestiniana está firmemente comprometida com o conceito da shura islâmica, ou consulta mútua; é suficiente dizer que, apesar de podermos ter diferenças de opinião, estamos unidos no respeito mútuo e concentrados no objectivo de servir o nosso povo. Além disso, a invasão de Gaza e o rapto dos nossos dirigentes e membros do governo tem o objectivo de minar os recentes acordos alcançados entre o partido do governo e os nossos irmãos e irmãs da Fatah e de outras facções, no sentido de se atingir um consenso sobre como resolver o conflito. No entanto, o castigo colectivo israelita apenas fortalece a nossa decisão de trabalharmos juntos.
Enquanto inspecciono as ruínas da nossa infra-estrutura - a generosidade das nações doadoras e os esforços internacionais uma vez mais reduzidos a escombros por F-16 e mísseis de origem americana - os meus pensamentos voltam-se outra vez para as mentes dos americanos. O que é que pensam sobre isto?
Pensam, sem dúvida, no soldado refém, capturado em batalha - no entanto, milhares de palestinianos, incluindo centenas de mulheres e crianças, permanecem nas cadeias israelitas por resistir a uma ocupação ilegal que é condenada pelo direito internacional.
Pensam no brio e na "firmeza" de Israel, que "enfrentam" os "terroristas". No entanto, um Israel nuclear possui a 13ª força militar do planeta, uma força que é usada para controlar uma área do tamanho aproximado de Nova Jersey, e cujos adversários não possuem forças armadas convencionais. Quem é a vítima, supostamente a tradicional favorita da América, neste caso?
Espero que os americanos reflictam de forma cuidadosa e fundamentada sobre as causas profundas e as realidades históricas. Nesse caso, penso que irão questionar as razões que levam um estado supostamente "legítimo" como Israel a empreender décadas de guerra contra uma população refugiada, sem nunca atingir os seus objectivos.
As movimentações unilaterais de Israel no último ano não levam à paz. Estes actos - a retirada temporária das forças de Gaza, o emparedamento da Cisjordânia - não são caminhos para a solução, antes actos simbólicos e vazios que não logram resolver o conflito subjacente. O controlo quase absoluto sobre as vidas dos palestinianos nunca é posto em dúvida, como se pode confirmar pelo sofrimento humanitário e económico dos palestinianos desde as eleições de Janeiro. As actuais políticas israelitas de expansão, controlo militar e assassinato escarnecem de qualquer noção de soberania ou de bilateralismo. A sua "barreira de separação", que atravessa a nossa terra, está longe de ser um gesto de boa fé em direcção à coexistência.
Mas há um remédio, que, apesar de não ser fácil, é consistente com as nossas convicções de sempre. As prioridades palestinianas incluem o reconhecimento do cerne do conflito sobre o território da Palestina e os direitos de todo o seu povo; a resolução do problema dos refugiados de 1948; a devolução de todas as terras ocupadas em 1967; e o fim dos ataques, assassinatos e expansão militar israelitas. Ao contrário da descrição da crise popular nos média americanos, o conflito não é apenas sobre Gaza ou a Cisjordânia; é um conflito nacional mais abrangente que só pode ser resolvido pela resolução de todas as dimensões dos direitos nacionais dos palestinianos de uma forma integrada. Isto quer dizer o estabelecimento de um Estado na Cisjordânia e em Gaza, uma capital na Jerusalém árabe oriental e a resolução justa do problema dos refugiados palestinianos de 1948, com base na legitimidade internacional e na lei vigente. Negociações relevantes, com um Israel não-expansionista e cumpridor da lei, só poderão começar depois de ter começado esta enorme tarefa.
Certamente o povo americano está a ficar mais cauteloso, depois de 50 anos e de 160 mil milhões de dólares em impostos para apoiar a capacidade bélica de Israel - a sua "defesa". Alguns americanos, acredito, devem perguntar-se se todo este sangue e riqueza não poderiam ter obtido resultados mais tangíveis para a Palestina, se ao menos as políticas dos EUA tivessem partido desde o início da verdade histórica, da equidade e da justiça.
Contudo, nós não queremos depender da riqueza internacional e das doações americanas. Nós queremos aquilo de que gozam os americanos - direitos democráticos, soberania económica e justiça. Pensámos que o nosso orgulho na condução das eleições mais justas do mundo árabe poderia influenciar os Estados Unidos e os seus cidadãos. Em vez disso, o nosso novo governo foi confrontado, desde o início, por actos de sabotagem explícita e declarada da Casa Branca. Hoje, esta agressão continua contra 3,9 milhões de civis que vivem nos maiores campos de prisioneiros do mundo. A complacência da América face a estes crimes de guerra é, como sempre, envolvida pela retórica da luz verde: "Israel tem o direito de defender-se." Estava Israel a defender-se quando matou oito membros de uma família numa praia de Gaza no mês passado, ou os três membros da família Hajjaj no sábado, entre os quais Rawan, de 6 anos de idade? Recuso-me a acreditar que esta falta de humanidade assente bem ao povo americano.
Apresentamos esta mensagem clara: se Israel não permitir aos palestinianos viver em paz, com dignidade e integridade nacional, os israelitas também não poderão gozar desses direitos. Entretanto, o direito de nos defendermos de soldados ocupantes e da agressão é uma questão de Direito, definida na Quarta Convenção de Genebra. Se Israel estiver preparado para negociar de forma séria e justa, e resolver as questões principais de 1948, antes das secundárias de 1967, é possível uma paz justa e permanente. A partir de uma hudna (interrupção abrangente de hostilidades por um período de tempo acordado), a Terra Santa ainda tem uma oportunidade para ser fonte de paz e de economia estável para todos os povos semitas da região. Se ao menos os americanos soubessem a verdade, esta possibilidade poderia tornar-se realidade.
Tradução de Sara Rocha e Luís Leiria

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