quinta-feira, 4 de março de 2004

Aqui vos deixo algo escrito pelo meu amigo Serpii. Este homem faz-me rir a qualquer minuto, de qualquer hora.

A beleza inequívoca

Hoje, cara Eulália (um beijo para si e para o seus) vou explanar-me sobre um tema que fará por si só - e logo aos primeiros 3 parágrafos - mudar de uma assentada todo o conceito filosófico regrado e encorajado nas escolas estilísticas e nas melhores casas de pasto a sul do Equador: "Os meus Suspensórios".
Não é bem isso. Foi um gracejo. A cara Eulália sabe desta minha obstinada apetência para a chalaça.
Na verdade vou debruçar-me sobre a beleza em si. Ou seja: o que se encara de realmente belo sem ter que pôr à prova a epiderme num torniquete ou num bisturi bífido.
Começo por dizer que o homem não conta neste departamento. Em última análise nem umas galochas da Zara lhe valem. Somos feios, ponto assente. A cara amiga poderia contra argumentar lançando o Leonardo Dicaprio para cima da mesa, mas esse tem ares de gaja, não conta.
Já no departamento do mulherio, a coisa compõe-se.
Existem as mulheres simpaticamente bonitas, as harmoniosamente simpáticas e as inequivocamente belas.
Os primeiros dois grupos são de excluir neste teorema, já que para lhes deslindar toda a beleza tem que se acudir a um processo de análise à sua personalidade; o que, para todos os efeitos, não é isso o que se pede para já.
A mulher inequivocamente bela faz-se notar em qualquer parte. Aliás, nós, os homens, temos um dispositivo ventral que nos avisa da presença de um desses monumentos ambulantes com um tal aparato que só um cinto d fivela reforçada e de boa marca evitará que as nossas calças se projectem e sobrevoem toda a costa leste do velho Continente.
Após um pormenorizado visionamento de algumas espécies raras de graça explícita cheguei à conclusão de que a beleza absoluta transcende a racionalidade. Demarca-se de qualquer adjectivo consonante.
O mundo é povoado de gente mais ou menos. Gente que sim nem que não. A vizinha de cima "Não está mal", a empregada "Comia-se bem", a yuppie da livraria "É razoável"; a loira da caixa 7 do Pingo-doce "É bom naco", a monitora de natação "Fazia-se-lhe o jeito", a sopeira da Zinia "Ia ao castigo". Tudo muito bem. Não se pede muito mais. Está-se bem rodeado destas semi-belezas circunstanciais. O homem é um ser elástico que consegue discernir beleza até a um Cachalote tresmalhado.
Depois surge (como do quase nada) a mulher inquestionavelmente bela e o impacto é tremendo. Ninguém está preparado para isso. O efeito é inversamente proporcional ao de ser-se beijado de lingua pela Teresa Guilherme. É como um bruto despertar de uma sonolência embalada pela inércia rotineira do mais-ou-menos.
Somos confrontados com uma trepidação sensorial que nos faz espirrar sorrisos embaraçados, olhares à sucapa, gracejos em falsete, gestos com o catarro do embaraço. Em suma, deixamos de ser nós próprios para nos desesperarmos na utopia de sermos mais do que toda a gente.
A beleza absoluta reflecte no homem a sua vulnerabilidade confrangedora.
Temos ginástica mental para arcarmos com a maior desgraça sem grande alarido, fintamos a sede com heroismo e a fome com sobriedade, mas sucumbimos espalhafatosamente ao primeiro impacto quando confrontados com o apogeu da feminilidade.
A seguir compomo-nos. No derriçar do conhecimento equilibramos as agulhas, mas do primeiro impacto ninguém nos safa.
No decorrer do impacto há os que se esgueiram pelos quelhos pedrados da sua ausência e vão para o quarto escrever poemas de amor no pináculo da sua erecção. Há os que tentam a sorte com uma galhofa bem tratada (Refira-se que a mulher inequivocamente bela rejeita a beleza máscula em detrimento do humor lírico. Os homens bem "encabeçados" aborrecem-nas de morte: feios, vangloriem-se). Há até os que são indiferentes (gays). Há de tudo, se bem que pouco ou nada resulte com razoável grau de eficácia.
É de crer, Eulália, minha boa amiga. Nós (coitadinhos) não dispomos de arsenal actualizado para tal transcendência.
Já Diosófeles, um pregador cretense, dizia: "Venha a mim o aroma inebriante da mulher, mas não o da mais bela das mulheres que sofro de incontinência".
Ora, isto diz tudo.

Serpii

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